domingo, 31 de março de 2013

Resenha: O Conto da Ilha Desconhecida

Autor: José Saramago
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 64

Um homem vai até a porta do rei, bate e diz ao guarda que quer falar diretamente com ele. O castelo, cheio de portas (uma para obséquios, outra para petições e mais uma para as decisões), dificulta muito a possibilidade de que seu pedido seja atendido. Mas ele resolve prostrar-se em frente à porta, até que seu pedido seja atendido. “Que é que tu queres”, pergunta a mulher da limpeza, mandada pelos seus superiores. “Quero falar ao rei”, responde o homem. Depois de um bom tempo, o rei resolve ir atender a pessoa que tão atrevidamente resolveu o incomodar. Ordena que a mulher da limpeza abra a porta de par em par e ouve o homem lhe pedir um barco. Mas para quê um barco? Para ir atrás da ilha desconhecida! E se já não existem mais ilhas desconhecidas? Quem poderá dizer?

quinta-feira, 28 de março de 2013

Resenha: Terra Sagrada

Autor: Rose Tremain
Editora: Rocco
Páginas: 410

“O silêncio de dois minutos”. Esse é o nome do capítulo que abre Terra Sagrada, sétimo romance de Rose Tremain, e são esses dois importantes minutos que regem a grande temática do livro. Em fevereiro de 1952, a pequena família Ward se reúne, de pé e bem juntinha, na plantação de sua fazenda em Suffolk – zona rural no interior da Inglaterra – em sinal de respeito pela morte do rei Jorge VI. Abaixo de seus pais está a diminuta Mary, protagonista, com 6 anos, pés e mãos pequenos e um rosto redondo que, para sua mãe, lembra um girassol. Mais abaixo, ciscando, está a galinha d’angola de Mary, Marguerite, com quem a menina compartilha a estonteante descoberta que fez durante esses minutos de silêncio: ela não é uma menina, mas um menino.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Resenha: Roverandom

Autor: J. R. R. Tolkien
Editora: Martins Fontes
Páginas: 127

Roverandom pode parecer mais uma fantasia clássica, com espadas, dragões e anéis. Ainda mais que em sua capa temos um dragão repousando calmamente e, talvez, sobre um tesouro. Eu mesmo comprei o livro pensando nisso. Pensava que seria a aventura de alguma outra trupe de guerreiros e de um ou dois magos. É preciso dizer também que Roverandom é um livro muito pouco conhecido de um escritor muitíssimo popular. Qual o mistério desse livro obscuro? Se ele fosse tão parecido com a saga do anel, ele seria um pouco mais conhecido ou, talvez, por ser mais daquela mesma história, as pessoas tenham desprezado o coitado. Enfim, há outra informação importante. Tolkien escreveu essa história com o inocente intuito de divertir seus filhos e, naturalmente, ele consegue muito mais do que isso. Rover, o cãozinho que empresta seu nome ao livro, poderia ser um tagarela e petulante cachorro falante, como vemos em inúmeras outras obras de animais humanizados, mas a habilidade narrativa e a surpreendente imaginação do gênio da fantasia transformam uma fórmula comum, que combina um cachorro surpreendente e uma jornada insólita, em algo cativante e encantador.

domingo, 24 de março de 2013

[Saldo] Semana #3: de 18 a 24 de março

Boa tarde! Essa semana tivemos uma movimentação bem pequena no blog, com somente duas resenhas postadas e nenhuma parceria nova. Isso se deve principalmente as atividades cotidianas que consomem os resenhistas, como trabalho, faculdade e etc. Seguem os links para as duas resenhas dessa semana:

• O Incêndio de Troia, por Marion Zimmer Bradley -  http://bit.ly/163x8cm
• Os Amigos, por Kazumi Yumotohttp://bit.ly/WEMYbQ

Prometemos uma melhora na semana que vem e esperamos cumprir, ok? Aproveite o domingo e fique de olho no blog e também em nossa página no Facebook para atualizações. Abraço!

quinta-feira, 21 de março de 2013

[Resenha] O Incêndio de Troia

Autor: Marion Zimmer Bradley
Editora: Imago
Páginas: 517

Muita gente já deve relacionar o nome de Marion Zimmer Bradley à saga As Brumas de Avalon, talvez por ser sua obra de maior conhecimento. Contudo, a autora é dona de uma ampla gama de obras, que infelizmente não tem, hoje, o reconhecimento nacional que merece. Vários títulos escritos por ela nós podemos encontrar em estantes empoeiradas de qualquer sebo por aí, tais como os inúmeros volumes da série Darkover, que foram originalmente publicados nas décadas passadas e esquecidos no tempo em suas antigas edições. Felizmente, em 2010 a Editora Imago nos presenteou com a nova edição de O Incêndio de Troia, um volume compacto que traz os três volumes da saga: O Chamado de Apolo, O Presente de Afrodite e, por fim, A Destruição de Posêidon – em alguns países os volumes foram publicados separadamente.

Marion nos apresenta, no livro, muito mais do que a sua representação do cenário mitológico do mundo antigo, com um panteão de Deuses e Deusas pra todos os credos; ela nos conta a história de Kassandra, princesa de Troia, que abdica da vida de mulher submissa aos homens para dedicar-se somente ao sacerdócio. Durante sua trajetória, observa-se muito do que já pôde ser lido em As Brumas de Avalon, onde a protagonista Morgana também é uma sacerdotisa. Entretanto, os caminhos seguidos por elas são ligeiramente diferentes. Kassandra é separada de seu irmão gêmeo logo ao nascer, que é mandado ao monte Ida para crescer em segredo entre os camponeses. Ela, contudo, provida da Visão que os Imortais lhe ofereceram, estabelece um vínculo psíquico com o irmão Páris, podendo enxergar através de seus olhos, ainda que estejam separados por uma grande distância.

Após ser mandada para conviver entre as guerreiras amazonas, Kassandra, já mais velha, retorna à Troia decidida a entregar sua vida nas mãos dos Imortais, escolhendo a Apolo, o Senhor do Sol, como o merecedor de sua devoção. É nesse ponto da história que Páris também chega à cidade, fazendo com que o segredo sobre sua existência seja finalmente trazido a público. A partir disso, Kassandra começa a ter visões que prevêem a destruição de Troia, enxergando navios fantasmas na baía, além de fogo e morte. Tentada a avisar seus familiares e pessoas próximas, ela começa a ser considerada uma louca e portadora de maus presságios para casamentos e nascimentos, fazendo com que ninguém acredite em sua palavra. Quando o irmão Páris rouba Helena de Esparta e toma-a como esposa, os akaios, inimigos de Troia, iniciam uma guerra que perdura por muitos anos e por todas as próximas páginas do livro.

Esse resumo pode ter ficado um pouco confuso, mas tudo se deve (além da minha capacidade quase nula em resumir) à minuciosa narrativa de Marion Zimmer Bradley, que nos conta a vida não só de Kassandra, mas também de todos que fazem parte de sua história, com detalhes e muitos diálogos bem construídos. É importante ter em mente que o destino das pessoas e da cidade é sempre colocado nas mãos dos Imortais, que são considerados os grandes responsáveis pela guerra que é travada em terra. Também acho legal comentar que, assim como em As Brumas, é possível notar com extrema clareza o incessante feminismo que a autora emprega em sua narrativa, o que pode deixar a leitura um tanto pedante em algumas passagens. Contudo, isso não chegou a ser um empecilho real para mim.

Apesar de o livro conter pouco mais de 500 páginas, a leitura é complexa e particularmente lenta, fazendo com que o livro pareça ter quase o dobro disso. Algumas características da edição – como o diminuto tamanho das letras, o mínimo espaçamento entre as linhas e o grande número de palavras por página – facilitam essa lentidão. Entretanto, a autora tem uma escrita muito gostosa de acompanhar, pois prioriza os sentimentos e o processo de pensamento que levam às ações decisivas das personagens, a quem nos afeiçoamos facilmente. E, ainda que seu final não tenha me deixado completamente satisfeito, a ampla rede de acontecimentos foi capaz de me prender à leitura como poucos livros conseguiram, transformando O Incêndio de Troia no dono de uma das narrativas mais legais que pude acompanhar.

Obs: Não sou estudioso de mitologia, então não sei afirmar corretamente se os fatos narrados no livro correspondem ao que há na literatura mitológica mundial. Porém, nas minhas pesquisas pela internet pude ver que muito do que a autora escreveu está de acordo com o que é retratado na Odisséia e na Ilíada, os grandes poemas épicos de Homero. Ainda assim, não podemos esquecer de que o livro se trata de uma romantização, podendo reunir fatos deliberadamente modificados ou incluídos através da liberdade criativa da autora.

Por Jeff Pavanin

terça-feira, 19 de março de 2013

[Resenha] Os Amigos

Autora: Kazumi Yumoto
Editora: Martins Fontes
Páginas: 222

Trata-se de um livro muito singelo, ponto. A história da autora japonesa, Kazumi Yumoto pode ser chamada no mínimo, no mínimo, de bela, porque contém personagens muito cativantes que nos fazem sempre querer mais páginas, mais fatos, mais poesia. Sim! É uma obra que carrega um teor muito excêntrico de poesia; que é rodeada de ideias nítidas e de mistérios sobre os quais a nossa mente sempre filosofa. O que vem depois da morte? O que é morrer? Qual nossa razão de existir?

Considero os japoneses muito sóbrios e introspectivos, e vejo que se reflete na literatura da maioria deles. São samurais em busca da perfeição de tinta e papel!

Basicamente a história é o relato de memória de um menino chamado Kiyama. Ele nos conta as lembranças que tem da sua infância, junto dos seus dois melhores amigos: Yamashita, o gordinho comilão e Kawabe, o esquisito hiperativo. Ao término das férias de verão, os três resolvem espiar um velho da vizinhança, que, segundo os rumores ouvidos por eles, está prestes a morrer; e como nenhum deles ainda tinha visto uma pessoa recém-falecida, seria uma boa experiência.

Dá para se divertir muito com os planos que montam para observarem o velho sem serem vistos, o que muitas das vezes dá errado. Nenhum movimento dentro da casa. Chegam a pensar, até certo ponto, que o velho morreu em frente à tevê, mas deparam-se com o contrário. Aos poucos o velho vai percebendo a aproximação dos três pestinhas que têm rondado sua casa e, mesmo depois de algumas relutâncias, eles acabam por gerar um vínculo natural, quase repentino, mas acima de tudo, muito bonito.

A casa e a vida do velho senhor, que estavam abandonadas, passam a ganhar uma nova cara. Sua decrepitude se esvai: enerva-se a casa (cheia de antigos escombros, vidros quebrados e lixo espalhado na grama) à mesma medida que a saúde dele. Os meninos conseguem reformá-la devagarinho, uma pintura ali, uma capinada aqui. Novinha em folha fica a residência e a disposição do senhorzinho finalmente aparece, como não vinha há anos. Para comemorar, o velho parte uma melancia, e aquele se torna um signo, um código, um rito só deles, como bons e grandes amigos.

Sentindo o quintal muito vazio, o velho lança a proposta de cultivar um jardim. Eles querem um bom resultado, e que seja rápido, para deixar viva a casa com mais agilidade. Os meninos visitam uma casa de sementes e descobrem que os amores-de-moça seriam perfeitos para o quintal do velho. Assim o fazem: compram, plantam e cuidam.

Digo que é emocionante “ver” as flores crescerem, mesmo que seja pelas páginas do livro. Dentro da nossa cabeça nasce algo desconhecido e que muda em segundos. Yumoto nos faz deslocar no tempo e enxergar um jardim completo onde só há ainda sementes recém-plantadas. Um milésimo de segundos e pensamos num pedúnculo; no outro segundo que sucede já temos os canteiros cheios.

Resolvo me calar agora, para não ferir o clímax e nem destruir a graça do resto de toda a história. Mas posso concluir dizendo: Os Amigos é um livro que vale a pena ser lido por muitos motivos: talvez porque nos mostre os talentos e a profundeza tão bela de suas personagens, como a incrível capacidade de Kawabe para inventar histórias; a inoxidável habilidade de Yamashita com os cortes de peixaria (negócio de família que pretende seguir); o “dom” que Kiyama tem para escrever, ou a beleza dos fogos de artifício que o velho produz. Talvez porque pode ser lido como uma história descompromissada, por fruição. Ou talvez, ainda, porque o livro seja tão lindo que dê medo de chegar à última página.

Kazumi Yumoto deu o nome certo para sua obra: sinto que nos tornamos grandes amigos; papel, letra e olho.

Por Leandro Lourenço

domingo, 17 de março de 2013

[Resenha] Salto Mortal

Autor: Marion Zimmer Bradley
Editora: Bertrand Brasil
Páginas: 896

Uma das primeiras lembranças que tenho de quando conheci minha melhor amiga é o imperativo: "Leia Salto Mortal, da Marion". 

Isso me perseguiu por anos, e sempre tive dificuldade em encontrá-lo - procurando exclusivamente em livrarias, ou lojas online, que quando o tinham disponível ou era por um preço absurdo, ou estava esgotado. No fim, encontrei-o em um sebo online, ano passado, por uma metade da metade do preço (numa promoção); e hoje este livro me persegue por todos os sebos pelos quais caminho.

Não sou a pessoa mais ágil em leituras, especialmente porque não consigo ler uma coisa de cada vez; mas eu estava para viajar e encontrar a amiga, e ela não admitia que eu chegasse lá sem ter lido tudo para poder comentar com ela. Acredito que o tenha lido, então, em uma semana. E foi uma das coisas mais gostosas que já li em minha vida.

É claro que por ter lido no ano passado a memória dos fatos não está fresca, e, para piorar, o hábito que tenho de marcar as páginas só foi adquirido muito recentemente. Mesmo assim, tenho cobiçado lê-lo novamente, e enquanto não cedo à vontade (porque tenho uma pilha de outros títulos na fila), acredito que devo tomar a oportunidade de divulgar esse tipo de romance que é, no mínimo, inusitado. Preparem-se, vai ser uma resenha bem grande.

Marion Zimmer Bradley é conhecida por Brumas de Avalon e livros que remontam lendas e outros tipos de ficção fantástica. Em Salto Mortal, todavia, elas no leva ao seu país de origem, Estados Unidos, e abre a tenda de sua escrita nos 40. Tommy Zane é um menino de quatorze anos, filho do domador do Circo Lambeth, que se fascina por uma família de trapezistas chamada Os Santelli Voadores, recém-aderida à grande trupe.

sábado, 16 de março de 2013

[Resenha] A Passagem

Nova capa do selo Arqueiro
Autor: Justin Cronin
Editora: Sextante
Páginas: 816

A passagem – primeiro volume na trilogia do americano Justin Cronin passou um ano (talvez até mais tempo) guardado na minha estante até que eu resolvesse lê-lo. Nem mesmo a resenha estrelar feita pelo Stephen King, um dos meus escritores favoritos, foi o suficiente pra me tentar a encarar esse livrão de mais de 800 páginas – não tanto pelo seu tamanho, mas sim pela minha ressaca literária de vampiros da época (que persiste até hoje). Ou talvez estivesse apenas esperando o momento certo para ler este romance (livros têm muito disso e acho que muitos leitores concordam com esse fato).

Enfim, o que eu encontrei foi uma grande e agradável surpresa nesse romance épico. Vou tentar dar uma pincelada geral na estória sem estragar os detalhes, sutilizas e tramas do livro:

A narrativa começa nos introduzindo a personagem principal: Amy Harper Bellafonte e a série de infortúnios encarados por sua mãe antes e após seu nascimento, até o momento em que ela é abandonada num convento de freiras.

“Antes de se tornar a Garota de lugar nenhum – Aquela que surgiu, A Primeira, Última e Única, a que viveu mil anos – ela era apenas uma menininha de Iowa chamada Amy...”.

Enquanto a história de Amy se desenvolve em um canto do país, temos dois agentes do FBI – Wolgast e Carter – coletando prisioneiros condenados à morte para participarem de um teste de pesquisa do governo. Eles vão até as prisões e oferecerem a troca da pena de morte pela autorização a ser utilizado como cobaia em um projeto.

O Projeto Noah nada mais é do que uma tentativa dos cientistas e do governo americano de isolar o vírus do vampirismo com todas as qualidades (imortalidade, força, etc) e criar super soldados para servir os Estados Unidos.

Só que, até então, os cientistas não conseguem o resultado desejado: todas as cobaias se transformam em criaturas terríveis, dignas de filmes de terror, assustadoras a ponto de tirar qualquer dúvida de que esse livro não se trata de vampiros fofinhos. O que temos aqui são criaturas mortais, sensíveis à luz solar, sedentas por sangue. Os verdadeiros vampiros, junto a uma trama incrível e personagens maravilhosos e inesquecíveis.

O caminho dos agentes se cruza com o de Amy quando o nome da garota surge na lista de pessoas a serem convocadas para participar do projeto Noah. E, para a surpresa dos cientistas, Amy é a primeira paciente em que o vírus funciona da forma planejada (ou o mais próximo possível).

O único problema é que é nesse momento em que os doze prisioneiros cobaias (ou “virais” como são referidos no livro) conseguem fugir e, com isso, acabam decimando a população dos Estados Unidos, modificando completamente o país.

“Aconteceu depressa. Trinta e dois minutos para um mundo morrer e outro começar a nascer”.

Foi nesse ponto em que eu já estava apaixonado pela narrativa e por todos os detalhes do livro que o autor me dá um baita susto: após a fuga dos vampiros há um pulo de 92 anos na narrativa – nós temos a visão geral da vida dos sobreviventes após incidente da fuga dos virais e como eles estão resistindo a essa ameaça perene da presença dos virais. Temos, aqui, um livro dentro de um livro: um novo grupo de personagens é apresentado, somos introduzidos às suas histórias e ao grande dilema que essa população enfrenta: a única maneira a sobreviver aos virais, mais importante que o grande muro que cerca a colônia, é as luzes ofuscantes que brilham a noite inteira, afastando essas criaturas. Enquanto houver luz, eles estão a salvo... O único problema é que a energia elétrica está quase se esgotando.

A partir desse conflito a narrativa começa, lentamente, a se encaixar de forma única e brilhante com todos os eventos que acontecem no início do livro, 92 anos atrás – começando com a chegada da menina Amy a essa colônia.

Embora eu tenha começado a ler essa segunda parte do livro com certo receio pela mudança abrupta, a partir do momento em que dei chance da história se desenvolver no seu próprio ritmo, as coisas ficavam, a cada página, mais e mais incríveis, renovando meu amor pelo livro. Posso dizer, sem dúvidas, que esse é um dos melhores livros do gênero que já li – Justin Cronin é um escritor com uma escrita incrível, uma sensibilidade incomparável e uma habilidade de virtuoso para contar um épico como esse. As comparações feitas com A Dança da Morte de Stephen King são mais que justas, assim como o elogio tecido pelo famoso autor de terror à Passagem:

"Esta é a história de vampiros que você não pode perder: 15 páginas são suficientes para cativá-lo; depois de 30, você se descobrirá prisioneiro, lendo noite adentro. Um livro com a força dos épicos.” – Stephen King.

De uma coisa tenho certeza: não vou demorar tanto quanto para começar a ler o segundo volume dessa trilogia: Os Doze (já disponível em português) – e mal posso esperar pela conclusão da história que saí em 2014. E que venham as adaptações cinematográficas!

Por Hike Penido

sexta-feira, 15 de março de 2013

[Resenha] Carmilla

Autor: Sheridan Le Fanu 
Editora: Hedra 
Páginas: 149 

Cobicei por muito tempo este livro, apesar de não ser uma das fãs mais assíduas do universo vampiresco. Interesso-me bastante, sobretudo às lendas e registros oficiais; e embora mistério e terror sejam sempre bem-vindos às minhas leituras, os vampiros não se encontram sempre presentes. Imagino que isso tenha influenciado em minha opinião sobre Carmilla, especialmente comparando-se às resenhas que li tão logo após o término.

Numa síntese, Carmilla é a estranha jovem acolhida pelo pai de Laura após um acidente de carruagem, e uma estranha conversa com a mãe da moça.
[...] Ela expressou certa relutância em nos importunar, deixando a filha sob nossos cuidados, dizendo que a jovem tem saúde delicada, que é nervosa, mas que não sofre de qualquer tipo de convulsão, nem alucinações, e que, na realidade, é perfeitamente lúcida.
Carmilla é uma obra pequena, uma leitura rápida - que a princípio foi publicada em folhetim. É difícil escrever uma resenha sem dar spoilers, apesar de que nada sigila desde o princípio a identidade sobrenatural de Carmilla. 

Penso ser exigente. Gosto de tramas que me façam pensar, seja por um conteúdo filosófico ou por deduções que possa fazer além das vistas dos personagens. Carmilla não é esse tipo de livro. Sabe-se desde o começo quem é o que, o que está para acontecer, e qual será a resolução da história. 

A leitura, todavia, é agradável. Estamos a par da narrativa de Laura, uma jovem quem mora apenas com o pai e suas preceptoras em um castelo na Estíria; narrativa que a todo instante sabemos estar sendo redigida muitos anos depois, propiciando ao autor mesclar a ingenuidade da protagonista com os conhecimentos adquiridos, pelos quais ele pôde infiltrar as primícias de seu suspense. 

Apesar de estar datada pelo século XIX, lê-se sem rodeios. Acredito que isso se deva também a tradução, que me instigou a ler a obra no original; porque apesar de ser "limpa", deixou a indecisão do tradutor, sobretudo nos diálogos, em que ora usa segunda pessoa (tu/ vós) e ora terceira (segunda pessoa "você" + verbos em terceira pessoa, enfim, na linguagem que conhecemos atualmente), causando a impressão de que possam ter se perdido muitas características da obra original, como termos-chave, o tom específico do autor e mesmo o tom da época. Mas sou eu, e admirada que sou com clássicos, percebo bastante se essas traduções atuais proporcionam ou não essa migração em nosso imaginário. 

Tudo isso não quer dizer que não há fatos particulares, e nenhuma surpresa. A presença de Carmilla é envolvente não só para suas vítimas, mas para os leitores, como se o autor caprichasse mais durante as ações da jovem. É uma personagem muito bem desenvolvida, em suas ações e seus segredos. O ponto de vista de Laura também é essencial para nos incutir esse fascínio, e aí entra o componente homossexual.

Carmilla foi escrita não somente numa época em que se popularizavam as histórias de vampiros. O século XIX queria reestruturar as morais na sociedade, sobretudo religiosas. Autores homossexuais eram exilados, e casas que lhes propiciavam tais refúgios foram tomadas pela polícia. Mais ainda, a homossexualidade era conhecida até há pouco tempo apenas por sodomia, então era quase uma novidade conceber que duas mulheres pudessem ter esse tipo de afeto, ou um grande estranhamento - embora, como é de se imaginar, não fossem casos raros. Esse tipo de amor é explícito na obra de Le Fanu, e não em qualquer sentido erótico, mas nas palavras da própria Carmilla; e mesmo com o passar do tempo, tive a impressão de que esse afeto não se extinguiu plenamente às circunstâncias. 

Por fim, a edição que tenho pertence à editora Hedra, uma de minhas favoritas. Gosto do total capricho que eles têm com os livros, a começar pelas capas - e eu sou sim o tipo de pessoa que julga pelas capas. É o tipo de livro que me sinto à vontade para ostentar onde quer que o tenha comigo. Gosto também das diagramações, organizadas e limpas - "limpas", com uma fonte legível, um espaçamento que não tumultua as palavras nos parágrafos, nem cansa as vistas. Mas o que mais fez afeiçoar pela Hedra foram as introduções. Além de trazer uma pequena biografia dos autores, insere curiosidade sobre eles, sobre as obras, sua repercussão, e todo tipo de história relacionada, além da lista bibliográfica usada para compô-las. Nesta edição de Carmilla, a editora também adicionou algumas ilustrações da época, então sinto orgulho de tê-la de qualquer forma. 

Marquei no Skoob a leitura como regular, mas ainda assim, recomendo, sobretudo aos fãs de vampiros, para conhecer as bases da obra de Bram Stoker e ter uma maior proximidade com as lendas da época - que não somente passavam de boca em boca, mas tinham registros oficiais, de casos que ainda hoje são especulados, embora haja os que se tenha achado um senso comum. Vale, sim, à pena conhecer Carmilla.

Por Kyran

quinta-feira, 14 de março de 2013

[Resenha] Os Pequeninos Borrowers

Capa nacional do livro
Autora: Mary Norton
Editora: Martins Fontes
Páginas: 809

Depois de alguns anos de atraso, surgiu no ocidente um filme do estúdio Ghibli, Karigurashi no Arrietty ou O Mundo dos Pequeninos, no Brasil. Naturalmente, decidi assistir e não me surpreendi quando me dei conta de que era um filme sensacional. Sensível e delicado como poucos outros. Tudo muito bem feito, desde os personagens até os cenários cuidadosamente detalhados. A história era sobre uma família de seres pequeninos que viviam tomando coisas emprestadas dos humanos grandões e, sobretudo, se escondendo a qualquer custo. Ser visto por um humano era o maior desastre que poderia acontecer à vida de um pequenino. Terminei o filme com uma dor enorme na alma, porque aqueles minutos não haviam sido o suficiente ao lado de Arrietty, Pod e Homily, como se alguém querido tivesse ido embora pra sempre, sem destino certo. Alguns dias depois da inevitável aceitação ter chegado, deparo-me com um livro. Sim, os pequenos têm um livro: Os Pequeninos Borrowers, de Mary Norton. Então, descubro que o livro tem 809 páginas e que a história dos pequeninos é composta por vários romances que originalmente foram publicados separadamente e que essa edição em português compreende a série completa. Meu deus! Uma ideia não parava de pipocar em minha cabeça. "O Filme do estúdio Ghibli fora baseado em apenas um dos livros!" Como não haveria de ser de outro jeito, comprei o mais rápido que pude e os pequeninos voltaram para mim.

A história é incrível e eu estava certo, o estúdio Ghibli usou apenas o primeiro livro para subsidiar seu filme. Ao ler, quando vi que quase todo o enredo do filme já havia ficado pra trás nas primeiras 100 páginas, minha barriga esfriava e uma ansiedade quase angustiante de descobrir o que as próximas mais de 700 páginas guardavam não me davam sossego. Então, as minhas aventuras com os pequeninos continuaram para além dos 94 minutos que o estúdio Ghibli me proporcionou.

O livro é dividido em seis partes. A primeira, chamada Os Borrowers, foi usada como base para o filme do Ghibli. Nela, a família de pequeninos, Pod, o valente e ponderado pai, Homily, a medrosa e comodista mãe e Arrietty, a destemida e revolucionária filha, vivem sob o assoalho de um velho casarão. A casa deles, o maior orgulho de Homily, é engenhosamente mobiliada e sua vida é tranquila e cômoda. Tudo o que precisam pra viver eles tomam emprestado da casa sobre eles. E essa rotina sempre lhes deu tudo o que precisavam, até que Arrietty deixa-se levar por seu espírito de aventura, que não é pequeno, e descobre que o mundo é muito maior do que eles imaginavam. Então, Arrietty acaba se envolvendo em uma série de problemas que começam a perturbar a antiga harmonia de sua rotina sob o assoalho. Toda a confusão culmina na necessidade de os pequeninos se mudarem e isso, sobretudo para Homily, é algo assombroso. Sem outra saída, eles acabam indo. Abandonam sua casa, os móveis que Homily tanto amava e todo o conforto que tinham. Assim, eles partem do casarão para o terreno ao redor dele.

A segunda parte do livro, chamada Os Borrowers na Terra, conta a primeira aventura dos pequeninos depois que eles fogem de sua casa sob o assoalho. As coisas não são fáceis para eles depois dessa mudança. Eles precisam se adaptar à vida no campo, sem seus antigos confortos e a segurança que tinham. Para Homily, tudo aquilo parece o apocalipse, enquanto para Arrietty, sua vida nunca fora tão emocionante. Eles acabam por construir sua casa em uma bota velha e aprendem a viver segundo o que a natureza tem para lhes oferecer. É nessa época que eles conhecem Spiller, um pequenino selvagem e arisco, que vive fazendo aparições surpresas para ajudá-los. A terceira parte, Os Borrowers na Água, narra as aventuras da família borrower sobre um rio. Sim, eles são capazes de navegar. Primeiro em uma chaleira velha e, por fim, em uma moita de galhos no meio de um rio. Para quem imaginava que a vida fora do assoalho seria impossível, até que essa família de pequeninos está se saindo muito bem. Na quarta parte, Os Borrowers no Ar, os pequeninos acabam por conseguirem voar e se envolvem, talvez, na maior enrascada de suas pequenas vidas. Na última parte da saga dos Borrowers, Os Borrowers em Apuros, parece que a família conseguiu encontrar um novo lugar onde se estabelecer, mas antigos problemas continuam perseguindo-os. A última parte do livro trata-se de um conto, Pobre Inocente, que é uma espécie de extra e não acrescenta informações sobre Arrietty e sua família.

É impossível não se maravilhar com o nível de detalhes do livro. Mary Norton descreve, com todo o cuidado, o cotidiano e todos os aparatos dos pequeninos. E eles, por si só, já são fascinantes. O livro nos mostra como os pequeninos reutilizam as coisas que tomam emprestadas. Botões, dedais, alfinetes, tampinhas, agulhas e uma gama enorme de coisas que nós humanos perdemos o tempo todo e nunca nos perguntamos onde diabos iam parar. Elas estão possivelmente na casa de algum pequenino, servindo como copos, talhares, espadas, xícaras, panelas ou qualquer outra coisa necessária para incrementar suas vidas. Com intuito perfeitamente compreensível, há trechos bastante descritivos em todo o livro. São trechos essenciais para a composição da história, que não seria a mesma se o universo dos pequenos não fosse esmiuçado com tantos detalhes. Inclusive, parte da diversão da leitura vem exatamente da curiosidade de descobrir como a vida dos pequeninos é, como eles são capazes de sobreviver apenas do que perdemos ou do que inocentemente nos tomam. A escrita de Mary Norton sustenta muito bem a narrativa e é capaz de nos enlaçar em um turbilhão de entusiasmo incomum. A vida dos borrowers é tão simples, tão pequena que nos faz querer encolher. Seus problemas são tão grandes e simples, suas necessidades tão ínfimas e instigantes, que a vida de gente grande parece perder um pouco a graça.

Quando lemos as últimas páginas do livro, encontramos uma inevitável amargura. Sim, logo depois da última página, já começamos a sentir saudade de nossos queridos pequeninos. E até hoje não encontrei algo que fosse tão próximo do nosso mundo e ao mesmo tempo compreendesse um mundo tão fantástico e perfeitamente escondido sob nossos narizes. Penso em um imperturbável paradoxo. A grandiosidade dos pequeninos e o quanto eles são capazes de serem maiores do que nós, suas vidas são maiores, mas mais simples e inocentes do que as nossas e isso faz com que sejamos menores, pequeninos num mundo de preocupações, desejos e intrigas assustadoramente gigantes.

Arrietty no filme do estúdio Ghibli

Por Fillipe Gontijo

quarta-feira, 13 de março de 2013

[Resenha] A Viagem

Edição do box da Editora Novo Século.
Autor: Virginia Woolf
Editora: Novo Século
Páginas: 548

Eu sempre tive vontade de ler algumas autoras clássicas, mas na maioria das vezes me dava preguiça em começar algum romance. Porém, uma vez vencida a preguiça pude conhecer os universos criados por mulheres marcantes, tais como Agatha Christie e Virginia Woolf. Muita gente sabe que V. Woolf foi uma mulher de personalidade forte, e quem não é tão familiarizado (assim como eu) certamente já teve a oportunidade de assistir ao filme As Horas e observar de perto um período peculiar da vida da autora. Contudo, pra poder falar um pouco sobre ela e essa obra em particular, tomo a ajuda de Antonio Bivar, membro da The Virginia Woolf Society of Great Britain, que escreve o prefácio de A Viagem.

A Viagem marca o início da obra de Virginia Woolf, sendo o primeiro romance a ser escrito pela autora. O livro demorou cerca de 10 anos para ser escrito e publicado, e nesse período de tempo Virginia sofreu com a perda do pai, casou-se e mudou-se para Bloomsbury, onde finalmente pôde dedicar-se melhor à escrita do livro, que foi publicado pela primeira vez em 1915. Entretanto, antes desse período Woolf já havia passado pelo sofrimento da morte da mãe, da meia-irmã e também do irmão Thoby, o que desencadeou sérias crises depressivas e tentativas de suicídio, resultando em um longo internamento após a publicação do livro. Virginia iria ainda passar por diversos períodos difíceis em sua vida até seu suicídio em 1941, e muito do que ela sentia e pensava durante esses períodos pode ser claramente observado em suas obras.

Com A Viagem não é diferente. Através de um cunho autobiográfico, ela vai contar a história de Rachel Vinrace – uma então inocente moça de 24 anos, cujo pai é dono de navios cargueiros –, que parte em uma viagem a bordo de um dos navios do pai, o Euphrosyne. Rachel é educada sub a tutela de Helen Ambrose, irmã de sua falecida mãe, e passa a conhecer as verdades da vida através da convivência com pessoas a quem antes não estava acostumada. A viagem acompanha um pequeno grupo de pessoas, no qual Rachel e Helen se incluem, que ao fim do séc. XIX zarpam do porto de Santa Marina para desembarcar em uma villa burguesa da América do Sul, situada “na boca do rio Amazonas”. Lá o leitor se depara com muitas personagens, que se relacionam durante esse período em que todas estão longe de casa.

Com eles somos levados a diversas situações de gente que, sinceramente, não têm muitas preocupações na vida além de matar o tempo e fofocar sobre a vida dos outros ali presentes. Piqueniques, bailes, chás e passeios, sempre regados a uma boa conversa simples e sem compromissos. Nesse cenário tropical, Rachel começa a se desprender das pregas da sociedade tradicionalista da Inglaterra onde fora criada, aprendendo com Helen formas mais modernas de viver. Ela encontrará com homens que a desejam (Mr. Hewet), com mulheres a quem toma como exemplo a seguir (Clarissa Dalloway, protagonista do romance Mrs. Dalloway (1925), a quem Rachel conhece ainda a bordo do navio) e com figuras dispostas a discutir filosofia e o modo de vida burguês (Mr. Hirst).

Virginia Woolf nos transmite o processo integral de pensamento das personagens através da famosa técnica (hoje assim chamada) do fluxo de consciência, também usada por diversos escritores, como James Joyce, William Faulkner, ou até mesmo os brasileiros Clarice Lispector, Guimarães Rosa e Hilda Hilst, constituindo assim sua grande marca narrativa. Ela foge dos pensamentos de Rachel para também nos mostrar com transparência os de todas as outras personagens que se encontram na villa, ou mesmo no grande hotel que lá existe, a refletir sobre qual é o seu espaço no mundo.

Por fim, como um leitor iniciante na obra de Virginia Woolf, considero A Viagem um livro de grande importância pra quem deseja começar a ler a autora. Ele nos apresenta sua forma de escrever e narrar – que difere muito do que estamos acostumados a encontrar em autores mais recentes – e também, através do constante teor existencialista, uma nova e peculiar forma de olhar e refletir sobre nossas próprias vidas.

Por Jeff Pavanin

terça-feira, 12 de março de 2013

[Resenha] O Pequeno Príncipe

Pequeno príncipe, pequeno planeta.
Autor: Antoine de Saint-Exupéry
Editora: Agir
páginas: 95

Eis-me aqui, preparado para falar de um livro o qual me senti tentadíssimo a resenhar. O Pequeno Príncipe é uma obra que dificilmente as pessoas não leram, ou não conhecem ao menos uma frase. Antoine de Saint-Exupéry é um autor muito suave e vertical, capaz de atingir a profundidade mais oculta da nossa alma invadindo-nos pelos olhos (e quando o livro termina eles ficam marejados de tristeza e alegria; uma bagunça). Esta obra se torna signo da pureza e da “magesticidade” que a infância tem, e já que a mais imortal das frases é a da raposa: "tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”, Exupéry tem uma grande responsabilidade nas costas por nos capturar com a sua simplicidade.

Trata-se de um principezinho que vive em outro planeta da galáxia, que na verdade é um asteroide nomeado, pelos homens da Terra, como B 612. Lá o príncipe vive sozinho, o espaço é pequeno e ele ama o lugar onde vive. Cuida da terra e meticulosamente livra-se das sementes de baobá, pois elas seriam o fim do seu lar, se as suas gigantescas raízes entranhassem pelo chão e vazassem o planeta. O principezinho dos cabelos dourados planta uma rosa de estimação e com ela conversa, tenta tirar dela os seus temores, reconhece a sua vaidade enquanto flor e a ampara em todas as suas necessidades.

Antes de conhecermos o planeta e a rosa do principezinho, nos deparamos com o narrador da história; um aviador que fora, pelos adultos, desmotivado do desenho e da pintura ainda na infância, contando-nos o diálogo que teve com o menino em um pouso forçado que fez pelo deserto. “Desenha-me um carneiro?”, era o pedido que o príncipe fazia para ele. E depois de suas inúmeras tentativas frustradas, desenha uma caixa e diz que o carneiro está lá. Finalmente ele se contenta e fica feliz. E é aí que o nosso narrador descobre que ele é um menino que “veio do céu”.

A meu ver, o menino-príncipe carrega consigo o potencial para despertar as verdades das pessoas. Quando ele visita outros planetas, se depara com outras pessoas e contesta a razão de serem e de existirem daquela maneira. Um rei ganancioso e que se vê superior a outras pessoas, mesmo morando em um planeta tão minúsculo quanto ao seu. Um planeta também pequenino onde mora um vaidoso. E este sempre vê as outras pessoas como seus admiradores e quer ser sempre o centro das atenções, ser admirado; o príncipe conversa com ele, ou melhor, tenta conversar, mas o vaidoso não o dá ouvidos. Os vaidosos não escutam coisas que não sejam elogios.

O príncipe ainda encontra o planeta de um bêbado, de um homem de negócios, de um acendedor de lampiões e de um velho que escrevia livros grandes. O bêbado é um paradoxo, porque sofre as mágoas bebendo e bebe porque sofre as mágoas; o homem de negócios vive para negociar e não o contrário. Diz-se o dono das estrelas e as conta incansavelmente, para ser ainda mais rico e comprar mais estrelas; o acendedor de lampiões é um seguidor compulsivo das regras. Ele se abdica de sua vida para se dedicar ao regulamento de acender e apagar o lampião. Os dias só duram um minuto, então ele é encarregado do “acende-apaga” sem descanso; o velho que escreve livros grossos é um geógrafo e ele não sabe nada sobre a sua terra, sobre o seu mundo porque afirma ser importante de mais para sair como um explorador. Talvez se representasse com a teoria sem a prática. Como podemos descobrir verdades se não a buscarmos nós mesmos?

Entendo que estes planetas em que moram são pequenos porque o ego destas personagens talvez seja grande demais, elas estão sempre em busca de algo antinatural que muitas das vezes não tem sentido algum. Então se pensarmos deste ponto nós afirmaríamos: “Mas o planeta do príncipe é pequeno. Isso significa que ele também é egoísta”.

Creio que o principezinho representa a simplicidade e a inocência e por isso a pequenez do seu lar é na verdade o contraste de todos os outros planetas apresentados acima! Talvez Saint-Exupéry nos tenha mostrado que nem sempre o que é pequeno é simples, e nem sempre o que é simples é necessariamente pequeno, o que é curioso para um livro tão pequenino, porém infinitamente gostoso.

Não teríamos um pouco de cada “homem de pequeno planeta” em nós? Nossas manias de grandeza não fazem o mundo ficar pequeno demais para duas pessoas?

Finalmente, o príncipe vai ao sétimo planeta e este é a nossa Terra! E indico esta como sendo a melhor parte do livro todo. Caso o leitor não tenha ainda desfrutado, espero que leia, pois nem me arrisco a tentar resumir aqui uma obra de arte tão linda. Se o fizesse quebraria com certeza a poesia que existe em cada linha.

“Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz.”

Descubro o paradeiro da minha felicidade toda vez que me lembro de ter lido “O Pequeno Príncipe”. É como se ele viesse me visitar sem hora marcada. Sem hora marcada para ser feliz.

Por Leandro Lourenço

segunda-feira, 11 de março de 2013

[Resenha] O Castelo no Ar

Linda capa de O Castelo no Ar
Título: O Castelo no Ar
Autora: Diana Wynne Jones
Editora: Record
Páginas: 304

Minha leitura de O Castelo no Ar, de Diana Wynne Jones, foi um tanto peculiar. Ela aconteceu em dois tempos e isso fez toda a diferença. Quando decidi, pela primeira vez, pegar o livro para ler acho que me precipitei. Eu não dava muita importância para a leitura e praticamente só lia quando alguém se atrasava e eu precisava esperar, então o livro era meu passatempo. Cheguei até a apelidá-lo de "O livro da espera sem fim". Dessa primeira vez o livro não me cativou. Primeiro pelo clima aladdinesco da história que não é dos meus preferidos. Achei a história maçante, o ritmo capenga e os personagens desagradáveis. Eu desgostei tanto que já estava pronto para incluir Diana à gama de escritores com ideias incríveis, mas que renderam livros ruins. Afinal de contas, Diana é a autora do livro em que foi o baseado o espetacular O Castelo Animado, do estúdio Ghibli; de uma série Os Mundos de Crestomanci e de outros tantos livros ainda não traduzidos para o português. Sem dúvida, devia haver algum talento em Diana, mas talvez ela houvesse consumido todo esse talento criando O Castelo Animado. Pensando assim e completamente desmotivado, larguei o livro mais ou menos com um terço lido. O marcador ficou lá naquela página por mais de um ano, até que alguma força sobrenatural (ou natural), fez com que eu resolvesse dar mais uma chance, a última, para O Castelo no Ar.

Além de toda a vibração sobrenatural, havia um amigo que vivia dizendo que Diana Wynne Jones era incrível. E que não era possível que eu, um apreciador de coisas fantásticas e malucas, não gostasse de O Castelo no Ar. Enfim, peguei o livro, depois de um ano trocando olhares desconfiados com ele, tirei o marcador e recomecei. Estava iniciado o segundo tempo. Embora o ar aladdinesco ainda continuasse me incomodando, logo nas primeiras páginas já senti uma conexão melhor com o livro. É claro que eu não admitiria, já nas primeiras páginas, que eu estava enganado, quando comecei a lê-lo pela primeira vez. Contudo, alguma coisa já me dizia que não haveria outro jeito. O livro é realmente muito bom. Talvez, fosse o leitor que estava sem talento pra leitura, talvez fosse a falta de investimento temporal. Antes mesmo da metade do livro, já estava completamente consciente da injustiça que havia feito e confesso que até mesmo todas aquelas coisas do Aladdin começaram a me parecer um pouco mais charmosas.

O livro conta a história de Abdullah, um mercador de tapetes, que tem sua vida transformada, quando compra um tapete mágico por uma pechincha. Ele é um rapaz sonhador que, apesar de todos os infortúnios familiares e pormenores cotidianos, fantasia o mundo a sua volta e até mesmo seu passado. E para ele, seu passado inventado faz muito mais sentido do que sua realidade. Subitamente, tudo o que Abdullah imaginou se aproxima da realidade e aos poucos, sonho e realidade, começam a se tornar um só. Tudo isso através do tapete mágico e suspeito. O tapete acaba por levar Abdullah, enquanto estava dormindo, a um jardim suntuoso. E lá ele conhece sua princesa, Flor da Noite. Esse encontro desencadeia uma série de acontecimentos que se desdobram na grande aventura da vida de Abdullah. Aventura que parece ser maior do que sua própria imaginação. Ele conhece um gênio amalucado e irreverente que realiza desejos com uma malícia inacreditável. Conhece um viajante misterioso e um país distante. Encontra bichinhos de estimação nada convencionais e algumas dúzias de princesas.

A história de O Castelo no Ar se passa no mesmo cenário que O Castelo Animado e eles até mesmo compartilham alguns personagens. Cronologicamente, O Castelo no Ar vem depois de O Castelo Animado e ainda há mais um livro desse universo já traduzido, A Casa dos Muitos Caminhos. Arrisco-me a dizer que O Castelo no Ar não deve nada ao seu antecessor. É uma história surpreendente com uma dose acertada de loucura e impregnada de magia. E é a magia de Diana Wynne Jone que encanta. Não há fórmulas, nem rigidez, nem muita lógica na magia. A magia é caótica como a própria natureza. Há um pouco de magia em quase qualquer coisa e nem tudo é o que parece, porque num instante pode deixar de ser ou se tornar outro. A magia é imprevisível e penso que a magia não poderia ser de outra forma.

A jornada de Abdullah está repleta de situações divertidas que exemplificam o talento inquestionável de Diana. Aos poucos, ela vai nos apresentando a personagens caricatos em situações improváveis, mas que parecem tão humanos e possíveis quanto um mundo mágico permite. O próprio Abdullah é uma figura deliciosa, que no início,  pode até parecer um pouco vaidoso, mas que se transforma e a cada página descobrimos sua esperteza que concilia inocência desmedida à coragem de um sonhador. Há todas as princesas com suas personalidades e trejeitos e aparências. Há o castelo com toda sua magnitude celestial. Por fim, há personagens memoráveis, como Sophie e Howl.

Apesar de toda a criatividade e do cenário fascinante, O Castelo no Ar não se faz grande apenas por isso. A escrita de Diana é igualmente encantadora. As palavras eficientes quase exageradamente escolhidas delineiam com exatidão o universo que se mostra e ao mesmo tempo se esconde. Há um equilíbrio espantoso em todo o texto. Ao passo que o cenário nos é revelado e segredos são esmiuçados, mais e mais surpresas surgem. Os diálogos são dinâmicos e muito bons, sobretudo as falas de Abdullah, que não hesita em massagear o ego de quem lhe convém.

Por fim e não poderia ser de outro jeito, O Castelo no Ar é uma leitura recomendada a todo amante de fantasia. Desculpo-me por toda e qualquer maldade que eu tenha dito sobre esse livro. Foi um lapso de inaptidão literária. Não se engane, como eu me enganei, caso o clima aladdinesco não seja o seu preferido, há muito mais nessa história do que tapetes, gênios e areia, há magia, magia de verdade.

Por Fillipe Gontijo

domingo, 10 de março de 2013

[Saldo] Semana #1: de 04 a 10 de março

Olá, olá! Essa é a nossa primeira semana de blog e ainda estamos nos acostumando com essa vida. Nós vamos ter o costume de postar a cada domingo uma lista de tudo o que foi escrito no blog, como um saldo semanal, pra que você não perca nada. Então, vamos ao saldo da primeira semana:

• A Chave para Rondo: http://goo.gl/iKD4F
• Wolf Hall: http://goo.gl/AiOf4
• A Incrível História de Henry Sugar e outros contos: http://goo.gl/SySGg
• O Nome do Vento: http://goo.gl/E1Vn4
• O menino do dedo verde: http://goo.gl/PzTL8
• Os Lobos dentro das Paredes: http://goo.gl/GHgjp
• Clarissa: http://goo.gl/I03r1
• Leviatã - A Missão Secreta: http://goo.gl/wqm3f
• Mr. Punch: http://goo.gl/0E3TU

Amanhã estaremos aqui para dar início a segunda semana de vida!

[Resenha] Mr. Punch

Mr. Punch
Autor: Neil Gaiman
Ilustrador: Dave McKean
Editora: Conrad
Páginas: 104

Mister Punch foi apresentado a mim pela graphic novel de Neil Gaiman e Dave McKean, chamada A comédia trágica ou a tragédia cômica de Mr. Punch, publicada no Brasil em 2010, pela editora Conrad. Na verdade, nem mesmo fomos apresentados, logo nas primeiras páginas já fui espectador do primeiro crime do espertalhão Mister Punch. A estranheza e a bizarrice quase nos faz fechar o livro e considerá-lo inapropriado para nossa idade, mas é impossível não confiar em Neil Gaiman. Ao longo da história, contada pela voz de um garoto-homem, o pequeno espetáculo de fantoches funciona como uma linha que costura as recordações que borbulham desordenadamente. Lembranças que ganham novos significados a partir do presente de nosso personagem e que estão sujeitas aos sentimentos e vontades da criança que ele era e do homem que se tornou.

As cenas protagonizadas por Mister Punch trespassam a infância do garoto e são apresentadas como elos para as reflexões que indiretamente conectam as peripécias dos fantoches à vida do garoto. Aos poucos e à medida que o protagonista percorre suas próprias lembranças, percebemos o quanto a perda persiste em preencher a vida dos homens. A efemeridade é o sentimento que nos acompanha durante a leitura e o único elemento que escapa a ela é o Mister Punch. Isso nos leva a pensar sobre o incontrolável poder de criação do homem, que mesmo sendo assolado pela finitude de sua vida, é capaz de criar algo que sobrevive a morte de seu criador e se torna maior do que ele. Os "professores", aqueles que manipulam os fantoches do show do Mister Punch, parecem ceder um pouco de suas próprias vidas para que o personagem continue vivendo. É interessante questionar se os "professores" fazem isso de boa vontade, porque depois de conhecer as artimanhas do Mister Punch, é possível imaginar que ele está por traz disso tudo, como se ele obrigasse aos "professores" a lhe emprestar alguma vida.

Nas primeiras páginas e como cúmplice do quase abandono da graphic novel, está a estranheza da arte de Dave McKean. É impossível resistir ao mundo desconjuntado e desconexo da graphic novel. Suas imagens parecem tentar emular uma mistura de lembranças de épocas e pessoas diferentes ou mesmo representar as várias vidas cedidas, pelos inúmeros "professores", ao Mister Punch. Todos os quadros, cada um dos elementos deles, parecem ter vindo de um universo diferente. Há um contraste permanente entre fotografias e desenhos. Contudo, ao mergulharmos um pouco mais e ultrapassarmos a estranheza superficial, enxergamos a maestria de um grande artista. McKean consegue harmonizar elementos gráficos de categorias bastante diferentes em uma narrativa visual estonteante e complexa. Tudo parece vivo e pulsante, como se estivéssemos assistindo às recordações do protagonista saltando de sua memória. Ao ler a última página, percebe-se que Mister Punch não existiria de outra forma, senão pelas palavras de Gaiman e pelas imagens de McKean.

Por Fillipe Gontijo

sábado, 9 de março de 2013

[Resenha] Leviatã – A Missão Secreta

A elaborada capa de Leviatã
Autor: Scott Westerfeld
Ilustrações: Keith Thompson
Editora: Galera Record
Páginas: 359 + Posfácio do autor

Você já deve ter se deparado com o nome de Scott Westerfeld por aí. Ele é o escritor da saga Feios, que é lançada pela Editora Record (selo Galera) desde 2010, e também de Midnighters. Contudo, venho aqui para lhes falar sobre outra saga do autor, publicada em terras tupiniquins em 2012, que tem como primeiro volume o livro Leviatã – A Missão Secreta. Se você leu a série Feios já deve estar acostumado com a escrita simples de Westerfeld, que usa de poucas palavras pra expressar as ações e pensamentos das personagens. Entretanto, diferente de outros autores que também se utilizam de poucas palavras, Westerfeld consegue ter domínio pleno sobre o que escreve, não desperdiçando letras para caracterizar seus cenários ou o teor psicológico das vivências de cada indivíduo. Assim, ele nos leva a percorrer por uma narrativa steampunk margeada por uma mitologia unicamente construída, em universo paralelo muito parecido com o nosso.

É o início da Primeira Guerra Mundial, e Aleksandar Ferdinand, príncipe do império Austro-Húngaro, está a brincar com seus soldadinhos em meio a tesouras e pesos de papel, quando é abordado por Otto Klupp, seu professor de mekânica, que chega seguido por Conde Volger, seu professor de esgrima. Ambos lhe dizem que precisam deixar a casa imediatamente e iniciar uma viagem às pressas em meio à escuridão gelada da noite, seguindo instruções de seu pai, que se encontra fora, em Sarajevo. Sem saber ao certo o propósito da fuga, Alek obedece, ainda atormentado pelo fato de que é colocado a pilotar o andador metálico que até então era proibido até de chegar perto. O andador metálico é meramente um pequeno item do universo criado por Westerfeld, que dicotomiza a sociedade em mekanistas e darwinistas.

Os primeiros seguem os preceitos do Império Austro-Húngaro, que acredita que as máquinas e estruturas metálicas são as invenções mais revolucionárias do mundo e que com elas poderão vencer a guerra. Do outro lado estão os darwinistas que, com a ajuda da genética avançada desenvolvida por um Charles Darwin alternativo, criaram as bestas vivas mais incríveis, capazes de se locomover por terra, água e também pelo ar, movidos a gazes naturais – como hidrogênio e oxigênio, que servem de alimento a todas elas. Nesse segundo cenário encontra-se Deryn Sharp, uma garota controversa e esperta que se disfarça de garoto pra poder ingressar na Força Aérea Britânica com a ajuda do irmão, Jaspert. Logo de início percebe-se que os dois protagonistas estão fadados a encontrar-se na Leviatã, uma aeronave-monstro darwinista que sobrevoa os ares assustando a todos devido a sua peculiar aparência: a de uma colossal baleia voadora.

A carência de palavras descritivas do autor talvez seja proposital, pois as belas ilustrações de Keith Thompson estão a todo o momento trazendo aos olhos do leitor lindos fragmentos e cenas que retratam o fabuloso mundo criado por Westerfeld. Dessa forma, podemos ver o Leviatã seguir viagem, sobrevoando a Grã-Bretanha rumo ao Império Otomano, onde a missão secreta deve se findar. É importante ressaltar a veracidade do subtítulo do livro, pois a “missão secreta” continua sendo muito secreta através de toda a narrativa, não sendo nunca revelada por completo. Sabe-se, entretanto, que a história em questão será contada em uma trilogia, ainda sem data definida para o lançamento dos dois últimos volumes por aqui. Por fim, deixo duas imagens que ilustram os universos mekanista e darwinista e também um link para quem quiser conhecer mais sobre a obra do ilustrador.

(clique na imagem para ampliar)


Site oficial de Keith Thompson: http://goo.gl/6wydz

Por Jeff Pavanin

sexta-feira, 8 de março de 2013

[Resenha] Clarissa

Capa da Companhia de Bolso
Autor: Érico Veríssimo
Editora: Círculo do Livro (edição lida)
Páginas: 194

Fiquei algum tempo decidindo se Clarissa seria realmente a minha próxima escolha pra resenhar. Como esse é um dos meus livros favoritos, fico sem palavras pra conseguir descrever bem o que se passa nessa história. Eu poderia vir aqui e dizer que é simplesmente uma crônica sobre o cotidiano de Clarissa, mas estaria mentindo, de certa forma. Veríssimo se preocupa, sim, em contar a infância (ou pré-adolescência) da menina Clarissa através dos fatos de seu dia-a-dia, mas não se esquecendo de espelhar aos olhos dela as histórias de todas as outras pessoas que a cerca. A protagonista nos é apresentada inicialmente a partir da perspectiva de Amaro, um músico recluso que vive na pensão de Dona Zina, pensão esta que serve de cenário para a história toda. O músico nutre por Clarissa uma paixão secreta, tomando-a como uma musa para suas inspirações nos momentos de reclusão, quando toca seu piano.

Filha de fazendeiros, a menina foi à Porto Alegre buscando completar os estudos, com o sonho de se tornar professora, e encontrou lar na pensão da tia Eufrasina juntamente com outros entes que ali vivem, discutindo política, o tempo e fofocando sobre a vida dos vizinhos ricos. Nesse ambiente triste, Clarissa se depara com realidades que sua simplicidade infantil antes desconhecia, tal como a infidelidade de Ondina a seu marido Batata, a difícil deficiência do vizinho Tonico e o sofrimento de sua mãe, as lamentações da viúva Dona Tatá, cuja pobreza contrasta com a abundância material dos vizinhos da frente. Ainda vivem na pensão outras figurinhas, como o judeu Levinsky e sua constante crítica à política atual e ao cristianismo e também o já citado Amaro, o músico solitário e misterioso. A vida literalmente passa diante dos olhos de Clarissa, que a observa e questiona, filosofando sobre a existência à sua própria maneira.

Pra mim é maravilhosa a simplicidade com que Érico Veríssimo retrata o cotidiano da pensão de Dona Zina, traduzida em frases simples que carregam um tradicionalismo despreocupado, tal como se observa em algumas passagens:

“Ó Belmira! Me traz um café bem gostoso. E anda ligeiro, meu bem, porque tenho o que fazer.”

“Não há dúvida: a primavera chegou. Os pessegueiros estão floridos, as glicínias se debruçam sobre o muro, o menino doente já mostra no rosto magro a sombra dum sorriso.”

Também não me passa batido o leve tom existencialista que Veríssimo despeja em palavras para passar ao leitor exatamente o que pensam e sentem os indivíduos que residem na pensão, tal como pode ser observado em alguns trechos como:

“Nos olhos do menino havia uma saudade impossível, a saudade de uma terra nunca vista. Um dia – quem sabe? – um dia um vento bom ou mau passa e leva a gente. Um dia...”

“Clarissa entrega-se a novas reflexões... Os homens são maus. Criam os pintos, dão-lhes de comer – farelo, água, milho. Eles crescem, ficam galinhas, andam pelo quintal esgravatando a terra com o bico e com as patas, botando ovos, caçando minhocas; e um belo dia – zás! – lá vem Sia Andreza e agarra os míseros bichinhos, torce-lhes o pescoço e larga no chão um corpo mole que pinoteia, num esforço desesperado pra não morrer.”

Clarissa aparecerá também em mais dois romances do escritor, Música ao longe e Um lugar ao sol. Este último ainda reúne personagens também vistas em Caminhos Cruzados, romance mais denso publicado logo após Clarissa, que entrecruza histórias de muitas personagens no mesmo período de tempo em que essa história acontece. Por fim, Érico Veríssimo é sempre uma leitura que será recomendada por mim, e não é a toa que hoje ele é um dos meus escritores favoritos. Entretanto, dessa leva de obras ainda me falta ler Um lugar ao sol, que prometo resenhar também, assim como os outros citados. Comente!

Por Jeff Pavanin

[Resenha] Os Lobos dentro das Paredes

Autor: Neil Gaiman
Ilustrador: Dave McKean
Editora: Rocco
Páginas: 60

Talvez, as nossas vidas não nos pareçam especiais o suficiente. Talvez, as coisas que fazemos, nossas preferências e manias, possam não significar nada diante de nossos próprios olhos.  Estamos enganados, quando pensamos que não há nada de peculiar em nós mesmos. Porque até mesmo em momentos triviais, como tocar tuba ou encher potes com geleia caseira, há um pouco de surpresa e alguma coisa capaz de despertar encanto. Assim, a vida de qualquer um de nós poderia se tornar tão pitoresca quanto a vida de nossa Lucy, a protagonista de Os Lobos dentro das Paredes.  Nesse livro, Neil Gaiman demonstra seu talento já consagrado por obras como Coraline e Sandman ao lado de seu fiel ilustrador Dave McKean. Os Lobos dentro das Paredes catalisa a força e a magia que estão escondidas em situações cotidianas, em pequenos detalhes que certamente poderiam pertencer a vida de qualquer pessoa.  Envolta nesse espírito de simples encantamento, a história de Lucy nos é contada com a perspicácia de um contador de histórias orais, daqueles que tem o poder de nos deixar com os queixos caídos.

A história começa sustentando-se sobre a exagerada sensibilidade de uma criança que, nesse caso, é capaz de perceber até mesmo que lobos estão dentro das paredes do antigo casarão onde mora. Eles faziam ruídos muito particulares, ruídos que não deixavam dúvida alguma de que eram lobos. Convencida disso e certa de que alguma catástrofe poderia acontecer, Lucy tenta convencer a todos de que os lobos estão lá, à espreita, observando e esperando a hora certa de saírem. Primeiro sua mãe que está perdida entre uma selva de potes de geleia. Depois, seu pai enquanto tocava sua majestosa tuba e, por fim, seu irmão que naturalmente não desgrudava do videogame. Para eles, poderia ser qualquer coisa, menos os lobos, porque todos sabem que se os lobos saírem das paredes, tudo estará acabado, tudo. Apenas o porquinho de pelúcia acredita em Lucy e a cada instante a invasão dos lobos parece estar mais próxima.

Lucy acaba por demonstrar toda a coragem que uma garotinha poderia ter. Enquanto sua família acaba por se entregar aos problemas, ela não vê outra alternativa, senão lutar. Gaiman deixa clara a força de sua personagem, sua capacidade de ultrapassar limites e de agir como se nenhum problema fosse grande o bastante para afugentá-la. Mesmo com a tal sabedoria popular de que tudo estaria acabado, se os lobos saíssem das paredes, mesmo essa sendo uma verdade quase inquestionável, Lucy resolve reverter a situação. Nada, nem mesmo uma grande verdade que todos sabem, seria capaz de diminuir sua coragem.

Há espalhado por toda história um ar de impossível, de onírico. No universo daquela família, que age com naturalidade até mesmo diante da invasão dos lobos, mudar-se para o deserto, para uma cabana, ou para um balão de ar quente são possibilidades mais viáveis do que retomarem sua casa. Tudo parece simples e ao mesmo tempo improvável, quando eles se encontram confinados em seu próprio jardim. Nessa situação, que poderia ser encarada como crítica, a vida deles simplesmente continua. A mãe vai trabalhar, o irmão vai para aula e o pai volta para sua tuba preferida. Até que a noite chega e passar mais uma noite no jardim não lhes parece uma opção confortável. E é esse desconforto que os faz ouvir a insistente Lucy.

Temos então mais uma parte de um ciclo. Os lobos assustaram as pessoas de sua casa e agora, são as pessoas que pretendem expulsar os lobos. Uma inversão de papéis interessante que completa um ciclo e acaba por humanizar os lobos. Quando a família se esgueira pelas paredes da casa, da mesma forma como os lobos faziam, ela percebe que os lobos tornaram-se quase pessoas ou que eles, pelos menos, ansiavam por isso. Um lobo estava tocando tuba, outro estava jogando videogame. Agora, são as pessoas que ameaçam sair das paredes e isso, para os lobos, talvez seja quando tudo estará acabado.

Por fim, ressalto o quanto o trabalho de Dave McKean é perturbadoramente incrível. As ilustrações são compostas, como em outros trabalhos do ilustrador, por várias técnicas. McKean usa fotografias, ilustrações, colagens e faz surgir um universo destoante e desconjuntado. Tudo isso produz um estranhamento inigualável. Tudo parece fora do seu lugar, mas ao mesmo tempo como se pudesse haver uma parte de qualquer coisa naquelas páginas. As ilustrações conseguem evocar a magia de um conto de fadas, mas que é mesclada ao ar de realidade das fotografias. São tão reais e tão impossíveis, como a possibilidade de os lobos saírem de dentro das paredes.

Nessa obra, Gaiman e McKean reafirmam-se como grandes contadores de história que são. Deixe-se levar pelas ilustrações ou pelas palavras escolhidas com exatidão, sobretudo deixe-se envolver pela inocência da história e pela profundidade da simplicidade. E não se esqueça de dar ouvidos à Lucy da próxima vez em que ela ouvir alguma coisa, porque é bem possível que mais alguma se esconda dentro das paredes.

Por Fillipe Gontijo

quinta-feira, 7 de março de 2013

[Resenha] O Menino do dedo verde

Autor: Maurice Druon
Editora: JOSÉ OLYMPIO
Páginas: 110

Menino do dedo verde? O nome nos leva a pensar, com muita facilidade, que o livro aqui discutido nesta resenha é mais um best seller ; daqueles com nomes bem exóticos criados puramente para despertar um interesse em “leitores-bisbilhoteiros”. Mas não! Relativamente não. Este livro infantil foi escrito por um autor gerado no mesmo ventre acadêmico que Saint-Exupéry e por isso (não só por isso, é claro) digno de prestígio e de leituras cada vez mais apaixonadas. Seu nome é Maurice Druon.

A leitura é fluida de forma exagerada, porque é simples e cumpre o papel que a literatura infantil deve cumprir: simplificar coisas profundas sem deixar de ter magnitude, revelar uma história que faça crianças correrem as páginas como se os olhos fossem a boca para uma fome que é a curiosidade e os adultos invejarem a infâncias de si mesmos se tivessem nas mãos este livro.

Sem muitas delongas, “O menino do dedo verde” questiona a guerra e seu significado para os homens da politicagem e para os homens que constroem armas; “hospedando-se” na perspectiva de uma criança que “não é como as outras”. Tistu, o dito cujo, é o filho do homem mais rico da cidade de Mirapólvora, o dono da fábrica de canhões que tem o maior espaço do mercado bélico mundial. Quando o Sr. Papai o matricula na escola, acaba por receber uma notícia desgostosa: Tistu não pode frequentar as aulas porque não é como os outros. Mas o problema que nasce aí como uma erva daninha, na verdade revela uma belíssima flor: Tistu não vai aprender as coisas do mundo por uma escola de pedra, mas sim, pela escola da vida: O Sr. Papai escolhe os melhores profissionais da cidade, para que ensinem seu filho o que não pôde aprender com um professor. Primeiramente e já em grande surpresa, o jardineiro de sua casa, Sr. Bigode, acidentalmente descobre que o menino tem o polegar verde, que faz germinar as sementes adormecidas das plantas, permitindo que cresçam de maneira monstruosa.

O Sr. Bigode afeiçoa-se a Tistu e os dois compartilham o segredo sobre o dedo verde (que não é da cor verde, e que só é chamado assim por que faz crescer a vegetação). Em seguida, com o senhor Trovões, diretor do presídio de Mirapólvora, conhecerá as leis dos homens. Tistu vai observar como as prisões são cinzentas e tristes; e vai tentar colorir tudo o que está atrás das grades com as cores da natureza. E ainda, com o doutor Milmales aprenderá que a saúde é uma dádiva muito frágil e que a doença é uma perdição insistente. Que os hospitais, por serem tão apáticos, tornam as pessoas cada vez mais pálidas e sem vontade de se recuperarem. E o mais importante, descobrirá que a sua diferença para com os outros é boa, milagrosa! Tistu vai descobrindo e sorvendo o mundo a partir da benevolência que pode gerar no coração dos homens: as flores trazem alegria e prosperidade para a vida alheia e por isso devem florir para todos. Sejam prisioneiros, gente da favela ou até mesmo animais do zoológico.

Mas quando a guerra chega á Mirapólvora, Tistu é o único capaz de discernir o que tem que ser feito. Lembremo-nos da famosa cena da flor que é colocada no cano de uma arma. As pétalas e pedúnculos podem exorcizar os males que as balas derramam? A vida que as bombas levam? Tistu nos ensina a guerrear com cores e aromas.

O menino do dedo verde faz germinar a flor inocente da nossa infância, que há muito tempo estava adormecida. Basta que ele nos toque com seu polegar.

Por Leandro Lourenço

[Resenha] O Nome do Vento

A Crônica do Matador do Rei
Autor: Patrick Rothfuss
Editora: Sextante
Páginas: 648 + notas

Quando você olha pra capa de O Nome do Vento pode até pensar: “Poxa, mais um querendo imitar Game of Thrones”. Se você realmente pensa assim, escreva isso num papel, amasse e jogue fora. Eu digo isso porque ouvi comentários desse tipo, de pessoas que evitam livros por pensar que são como cópias de outros. Isso é pré-julgamento, galera, e é feio. Patrick Rothfuss é um nome que deve ficar gravado na mente de quem lê alta fantasia assim como o de George R. R. Martin e Tolkien, isso é fato. Antes que me taquem pedras, não estou comparando um autor estreante com Tolkien ou qualquer outro veterano, mas acho imprescindível ressaltar que esse livro, justamente por ser o romance de estréia do autor, consegue chamar atenção. O objetivo na verdade é bem simples: contar vida de um homem. Esse homem é Kvothe, o Arcano; Kvothe, o Sem-Sangue ou mesmo Kvothe, o músico.

No início do livro, nos é apresentado um personagem peculiar, o Cronista, que segue viagem através dos Quatro Cantos da Civilização prestando serviços àqueles que querem registrar palavras, mas não as conhecem. Após ser roubado, ele chega até uma simples taberna, situada no centro de uma cidadezinha, onde conhece o estalajadeiro Kote, um homem estranhamente calmo, de cabelos vivos como o fogo, que vive a lustrar a madeira do balcão. Dentre os fregueses circulam histórias – muitas delas tão absurdas que se tornam difíceis de acreditar – sobre o famoso Kvothe, aquele que era capaz de usar magia como o grande Taborlin, o lendário feiticeiro. Porém, ninguém sabe seu paradeiro. Ninguém sabe também que Kvothe está bem ali, do outro lado do balcão servindo-lhes cerveja. O importante aqui é que o Cronista, com a ajuda de Bast, amigo de Kote, acaba por descobrir a verdade. Dessa forma, Kvothe (ou Kote) o contrata para registrar sua verdadeira história de vida, desde a infância, contada em três partes – dividida nos três dias em que o Cronista ficará hospedado na pousada. O Nome do Vento retrata o primeiro dia de relato.

Bom, com isso você pode até pensar que a história toda é contada pelo personagem, e que isso pode deixar tudo com um ar chato demais. É... Não é o que acontece. Vamos conhecer a criança Kvothe sob o olhar dela mesma, em uma narrativa em primeira pessoa. Não é o meu tipo favorito de narrativa, nem gosto muito pra ser sincero, mas ao lê-la na escrita do Rothfuss você esquece as churumelas e sente e vê tudo como o ainda pequeno Kvothe. Sente e vê sua humilde família ser assassinada em uma chacina comandada pelo Chandriano, uma espécie de grupo negro cercado de mistérios no qual ninguém acredita por se tratar de histórias para crianças. Quem hoje em dia acreditaria que o Papai Noel é verdadeiro? Ou mesmo o Coelho da Páscoa? É essa a sensação que todos têm ao ouvirem sobre o Chandriano da boca de Kvothe. Tudo ainda é agravado pelo fato dele descender dos Edena Ruh, uma trupe de artistas muito mal vista pela sociedade e tratada como ladrões de sangue sujo.

É a partir dessa fatídica noite – e também de um par de cenas muito tristes e carregadas de emoção – que começamos a conhecer o menino Kvothe realmente. Com ele vamos encontrar a fome e o frio, perambular como mendigos e ladrões pelo labirinto de telhados da grande Tarbean, sentir a humildade e bondade de pessoas capazes de doar o próprio alimento para ajudar a quem precisa. Também vamos descobrir o forte desejo de vingança e o ódio que ele nutre pelo Chandriano, que ele viu com os próprios olhos. Assim, já com mais de 13 anos, ele parte de Tarbean rumo à Universidade, na qual tentará ingressar a fim de se tornar um Arcanista, mas também com segundas intenções: ter acesso ao Arquivo, a maior biblioteca dos Quatro Cantos, onde tenciona encontrar mais informações sobre o Chandriano. E lá ele se depara com mais obstáculos que sua origem humilde pavorosamente lhe ajuda a obter: desprezo por parte dos filhinhos de papai, desavenças com um novo arquiinimigo, açoitadas nas costas, altas taxas de matrícula, negociações com agiotas mortais, dentre outros. Porém, nem só de desgraça é feita a vida: torna-se amigo de Willem e Simmon e começa a aprender as dificultosas disciplinas necessárias para se tornar um verdadeiro membro do Arcanum.

Aí você me pergunta: E que diabos “o nome do vento” tem a ver com tudo isso? Bem, Kvothe tem o sonho de se tornar um nomeador, capaz de conhecer e dominar os nomes de todas as coisas. Com o tempo se descobre capaz de invocar o nome do vento. Isso é alta magia, coisa que poucas pessoas no mundo são capazes de utilizar. Enfim, não vou me estender e contar todos os detalhes, pois o livro é grande e guarda bastante coisa complexa – como as disciplinas da Universidade, que diferem de muitas coisas já lidas por você, eu garanto – e outros mistérios que vão te deixar puto e te fazer quebrar a cabeça – tal como a famosa porta de quatro placas no Arquivo, que guarda alguma coisa nunca descoberta por ninguém ou mesmo os misteriosos Faes e etc, etc, etc. Se você procura um ótimo livro de alta fantasia, equiparado aos grandes nomes do gênero, eu indico O Nome do Vento a você. Saiba que ele já tem uma continuação publicada, a qual eu pretendo resenhar em um futuro próximo. Se você já leu, achou uma bosta ou quer compartilhar sua opinião sobre ele, é só nos deixar um comentário!

Por Jeff Pavanin