domingo, 31 de março de 2013

Resenha: O Conto da Ilha Desconhecida

Autor: José Saramago
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 64

Um homem vai até a porta do rei, bate e diz ao guarda que quer falar diretamente com ele. O castelo, cheio de portas (uma para obséquios, outra para petições e mais uma para as decisões), dificulta muito a possibilidade de que seu pedido seja atendido. Mas ele resolve prostrar-se em frente à porta, até que seu pedido seja atendido. “Que é que tu queres”, pergunta a mulher da limpeza, mandada pelos seus superiores. “Quero falar ao rei”, responde o homem. Depois de um bom tempo, o rei resolve ir atender a pessoa que tão atrevidamente resolveu o incomodar. Ordena que a mulher da limpeza abra a porta de par em par e ouve o homem lhe pedir um barco. Mas para quê um barco? Para ir atrás da ilha desconhecida! E se já não existem mais ilhas desconhecidas? Quem poderá dizer?

Conseguindo o que desejava, mais pelo risco de gerar uma revolta pública do que por bondade do soberano, ele vai às docas, apresentar ao capitão de navegação o cartão com ordens do rei. A mulher da limpeza abandona o castelo pela porta das decisões, para não mais voltar e sendo assim, resolver acompanhá-lo em sua partida. Ao que se sucede, uma caravela antiga e experiente lhes é concedida, porém a alegria do homem que queria um barco se desfaz naquela mesma noite: Não encontra mais pessoas que estejam dispostas a navegar com ele.

Isto é o essencial que se precisa saber, em uma resenha, sobre esta obra prima de José Saramago. O resto cabe ao navegante descobrir por sua própria conta: como é que diz o ditado? Mares calmos não geram bons marinheiros!

O Conto da Ilha Desconhecida não se trata de um romance volumoso de Saramago (o que seria algo comum de acontecer); como o próprio nome denuncia, é um conto pequenino do autor, possível de ser lido em uma única sentada, mas nem por isso é algo raso e sem densidade. Sou suspeito a elogiar os trabalhos deste lusitano tão fantástico, porque a sua forma de escrita é revolucionária. Além do ritmo próprio, a “falta” da pontuação exata aproxima mais o leitor do narrador e das personagens. Com facilidade se encontra alguns dizeres que não sabemos identificar como sendo pensamentos de personagens ou comentários do narrador. E é exatamente por isso que a leitura ganha uma característica muito parecida com a da vida real: tudo é misturado; fala, pensamentos, silêncios.

Encontramos um cenário mais psicológico do que o aparentemente perceptível. Podemos identificar isto até mesmo nos traços de narrativa mais cronológica e linear. Em certo ponto da história podemos entrar nos sonhos (entenda como desejos e também como sonhos gerados durante o sono) da personagem principal, o homem que fora pedir um barco ao rei. Em outro o barco parece ganhar vida, pois passa a desejar ser uma ilha. E muito além de ser ilha, esta caravela também é humana por desejar ser algo além daquilo que é: o barco, o mar e o céu; estes são os três mestres do homem que quer aprender a vencer as terríveis tempestades marinhas.

Ir em busca da ilha desconhecida é ir em busca de si mesmo? Quando descobrimos o outro, sempre descobrimos uma ilha isolada do mundo e quando saímos de nós mesmos também nos avistamos melhor. A meu ver, é o que de melhor pude retirar das minhas reflexões, após as duas vezes que li o conto. “O filósofo do rei (...) dizia que todo homem é uma ilha (...)”; com esta frase, José Saramago dialoga (contrastando) com o poeta John Donne que diz que “nenhum homem é uma ilha”. Compreendo a dualidade: ninguém pode viver isolado do resto do mundo, mas não existiria assim um universo particular em cada pessoa se esta não tivesse o direito de ser uma ilha. E sendo as ilhas que somos, estamos tão isolados de nós mesmos que sequer nos conhecemos com precisão.

Por fim, após tantas caraminholas que implantei na cabeça do leitor, basta-nos pegar o leme com firmeza, direcionar a rosa dos ventos em uma linha precisa do mapa que nos mostre a rota do caótico “Mar Saramago” e continuar descobrindo as ilhas mais obscuras e desconhecidas da nossa alma. Afinal, repito, ondas frouxas não forjam bons marujos!

Por Leandro Lourenço

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